segunda-feira, 27 de abril de 2009
Como Nossos Filhos ( Affonso Romano de Sant Ánna)
Há um período em que os pais vão ficando órfãos
de seus próprios filhos.
É que as crianças crescem independentes de nós,
como árvores tagarelas e pássaros estabanados.
Crescem sem pedir licença à vida.
Crescem com uma estridência alegre e, às vezes,
com alardeada arrogância.
Mas não crescem todos os dias,
de maneira igual, crescem de repente.
Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase
com tal maturidade que você sente que não pode mais
trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha
que você não percebeu?
Cadê a pazinha de brincar na areia,
as festinhas de aniversários com palhaços
e o primeiro uniforme do maternal?
A criança esta crescendo num ritual de obediência
orgânica e desobediência civil.
E você está agora ali, na porta da da festa do amigo dela,
esperando que ela não apenas cresça, mas apareça !
Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam
esfuziantes sobre patins e cabelos longos, soltos.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas,
lá estão nossos filhos com o uniforme de sua geração:
incomodas mochilas da moda nos ombros.
Ali estamos nós com os cabelos esbranquiçados.
Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar,
apesar dos golpes dos ventos,
das colheitas, das notícias e da ditadura das horas.
E eles crescem meio amestrados, observando e
aprendendo com nossos acertos e erros.
Principalmente com os erros que esperamos que não repitam.
Há um período em que os pais vão ficando
um pouco órfãos dos próprios filhos.
Não mais os pegaremos nas portas das festas.
Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do futebol.
Saíram do banco de trás e passaram para os
volantes de suas próprias vidas.
Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer
para ouvirmos suas almas respirando conversas
e confidências entre os lençóis da infância,
e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos,
posters, agendas coloridas e CDs ensurdecedores.
Não os levamos suficientemente ao Playcenter ou Hopi Hari, ao shopping,
não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas,
nãos lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado.
Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.
No princípio subiam a serra ou iam a casa de praia entre embrulhos, bolachas,
engarrafamentos, natais, páscoas, piscina e amiguinhos.
Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela,
os pedidos de chicletes e cantorias sem fim.
Depois chegou o tempo em que viajar com os pais
começou a ser um esforço, um sofrimento,
pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos.
Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente,
morriam de saudades daquelas "pestes".
Chega um momento que nos resta ficar de longe
torcendo e 'orando' muito (nessa hora, se a gente tinha desaprendido, reaprende a 'orar')
para que eles acertem nas escolhas em busca de felicidade.
E que a conquistem do modo mais completo possível.
O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos.
O neto é a hora do carinho ocioso e estocado,
não exercido nos próprios filhos, são afetos que não podem morrer conosco.
Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho.
Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.
Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais,
antes que eles cresçam.
(Affonso Romano de Sant'Anna - colunista de cultura do jornal o Globo. Paulo Autran faz uma leitura desse texto em Cronicas Escohidas)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Dá muito interessante e verdadeiro. No meu ponto de vista faltou algo para se falar : os filhos continuam os mesmos ,
acham que são independentes , quando no fundo gostam do cordão umbilicam que ainda os prende, do cheirinho da casa do calor e do aconchego do lar, embora tenham a suas casas e seu acalentos. Os pais então amam esta reciprocidade , e se revitalizam com os pequenos gestos e ate´com as pseudos briguinhas. E muito importante os pais sentirem amados e os avós sentirem úteis . Dentro da familia , cabeças diferentes, no entanto o cordão essencial que os amarra é realmente o AMOR. MaMãe Méia. Seja feliz sempre como mãe e filha.
TKS mamãe....farei o possíveil!bj
Postar um comentário